4 de julho de 2010

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" Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. [...]

A covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura [...]
É difícil perder-se. [...]

Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo - quero sempre a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar a desorientação. Como é que se explica que o maior medo seja exatamente em realção: a ser? [...] Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? Como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra - como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização?

E uma desilusão. [...] Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. [...] O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade. [...]

Sei que precisarei tomar cuidado para não usar sub-repticiamente uma nova terceira perna que em mim renasce fácil como capim, e a essa perna protetora chamar de "uma verdade". [...] E que eu tenha a grande coragem de resistir a tentação de inventar uma nova forma."


Retirado de A Paixão segundo G.H, Clarice Lispector.

Um comentário:

  1. "E que eu tenha a grande coragem de resistir a tentação de inventar uma nova forma.". Amém!

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"...fique à vontade, tire os sapatos e não pare nas escadas"